O homem é freqüentemente definido
como homo loquens, pois a propriedade
da linguagem distingue-o nitidamente dos seres e faz dele um ser totalmente singular. A
linguagem se tornou o assunto principal das atuais investigações, pois o
pensamento atual assumiu uma forte direção lingüística. A reviravolta nas
investigações filosóficas foi operada recentemente por alguns filósofos (a
partir de Moore, Wittgenstein, Russell r s escola de Viena) que pensaram que os
problemas filosóficos são problemas lingüísticos. Graças a esta orientação
lingüística leva-se a uma revelação do aspecto lingüístico do ser humano e um
aprofundamento do homo loquens.
1. História
da filosofia da linguagem
Os
estudos lingüísticos tiveram seu início já nos tempos dos pré-socráticos os
quais formularam as duas principais questões:
a) A questão da origem da linguagem;
b) A questão da natureza da
linguagem;
Alguns dos pré-socráticos
acreditavam que a linguagem derivava diretamente da natureza ou mesmo da
divindade e a concebiam como espelho direto e imediato das coisas. Os sofistas
consideravam-na convencional, tanto sua origem como sua função.
Aristóteles concebe a linguagem como
instrumento do pensamento e também que ela tinha uma função de representar as
coisas, mas dependendo da decisão do homem. A linguagem, era para ele, natural
em sua função, mas convencional na sua origem.
Plotino, por sua vez, acreditava que
a linguagem se subtrai completamente a qualquer designação humana. É
absolutamente inefável.
Já Santo Agostinho estuda a relação
da linguagem com as coisas e a subordina antes de tudo as coisas, mas
definitivamente ao Verbo divino.
Os escolásticos estudavam
sobretudo a problemática dos signos, distinguindo-os entre naturais e
artificiais, também se ocupa, com a linguagem literal, analógica e simbólica.
O período romântico marca o renascimento
dos estudos filológico e a filosofia da linguagem volta-se a questão da origem
da linguagem e ao problema da relação entre linguagem e cultura.
Na contemporaneidade a linguagem
tem sua ascensão e é tomada de muitos ângulos: semântico, gnosiológico,
ontológico, social e psicanalítico.
2. Importância
da linguagem
Não há nenhum aspecto da realidade e
nenhum problema filosófico que não se ache possível resolver abordando-o do
ponto de vista lingüístico. Huxley acredita que a linguagem faz o homem ser o que
ele é. A linguagem, para ele, dá capacidade ao homem de registrar suas
experiências para posteriores gerações e ainda o permite apreender, em sentido
obscuro, o mecanismo do universo.
Cassirer acredita que a linguagem é
um dos meios fundamentais do espírito, graças ao qual passamos do mundo da
sensação para o mundo da visão e da representação. Ela compreende já no início
o trabalho intelectual, que será exprimido na formação dos conceitos e como
unidade lógica da forma.
Gusdorf diz que a linguagem é a primeira
grande invenção do homem, que contém em estado embrionário todas as outras; a
linguagem é a mais original das técnicas.
Polanyi afirma que a superioridade
intelectiva do homem deve-se que exclusivamente ao uso da linguagem. Heidegger,
por sua vez, chama a atenção para a importância metafísica da linguagem. Ela
constitui a primeira e mais importante epifania de Ser. Para Heidegger, a
linguagem faz do homem o ser vivente que é enquanto homem.
3. Definições
e divisão da linguagem
Como primeira tentativa de definição pode-se
dizer que é um sistema de signos que torna possível a comunicação entre os
homens, conforme Lalande propõe como definição geral da mesma. Os signos são
entendidos como algo que existe por outra coisa diferente, que indica algo diverso
em si mesmo (ex.: fumaça- fogo). É da essência do signo o ter caráter
intencional: atrai a atenção sobre a coisa que é signo. Temos três espécies de
signos existentes:
a)
Naturais
e artificiais;
b)
Lingüísticos
e não-lingüísticos;
c)
Icônicos
e convencionais;
A
linguagem é um sistema de signos artificiais e convencionais destinados à
comunicação, ela quer significar intenções idéias, sentimentos, coisas etc. Ela
é um instrumento ideal da intencionalidade essencial do homem, é uma abertura
que possibilita a comunicação e esta se efetua principalmente mediante a
linguagem.
É
de suma importância que façamos três distinções nas discussões sobre a
linguagem:
Linguagem: usa-se em oposição a língua,
para distinguir a função de se exprimir, em geral com as palavras, dos vários
sistemas lingüísticos fixos em uma sociedade determinada;
Língua: é um sistema supra-individual de
signos, graças aos quais o homem pode comunicar entre si. É diferente de fala,
a qual é a forma concreta e individual assumida do sistema, segundo o uso de
determinada pessoa, segundo os significados pessoais, subjetivos e emotivos por
ela desejados.
Significado
e significante:
·
Significante
quer dizer uma realidade como é denotada e estruturada pela linguagem;
·
Significado:
indica o modo sempre parcial e histórico em que a língua falada atualiza o
significante; o significado representa a atualização desse significante em um
determinado discurso e em uma cultura determinada;
4. Origem
da Linguagem
Existem duas concepções sobre a
origem da linguagem:
a) Linguagem é recebida (Deus ou
Natureza);
b) Foi inventada pela homem
(imitando a natureza ou artificialmente);
Ambas foram acolhidas por pensadores
tanto na antiguidade quanto nos tempos presentes. A primeira, atualmente, é
pouco acolhida, porém antigamente foi muito acolhida; segundo Humboldt, a
linguagem tenha sido colocada no homem, pois é mediante ela que o homem é
homem.
Porém, contemporaneamente, a tese
mais comum é que a linguagem é fruto da evolução, mas há modos diferentes de
interpretar, a saber:
a) Onomatopéia: acreditavam que a linguagem
nasce pela imitação que o homem faz dos sons da natureza;
b) Convenção: o homo sapiens imita certos sons para cumprir determinadas operações;
Obs.: essas duas teses podem
integrar-se mutuamente;
5. Condições
transcendentais da linguagem
A linguagem pressupõe 3 condições
transcendentais, 3 constantes ou componentes absolutos:
·
Sujeito
que fala;
·
Objeto
de que se fala;
·
Interlocutor
a que se fala e com quem se quer comunicar;
Se falta um desses componentes a
linguagem já não pode ter lugar, para Macquarrie a linguagem é um complexo de
relações fecundas, sobre esses três termos citados.
6. Função
e valor da Linguagem
Até alguns anos atrás se costumava
apresentar uma divisão dicotômica das funções da linguagem:
·
Função
descritiva, ou cognitiva, ou denotativa, ou representativa, ou simbólica;
·
Função
emotiva, performativa, existencial ou pessoal;
Ultimamente, porém, tornaram-se mais
freqüentes os autores que acreditam na linguagem com uma divisão tricotômica.
Chega-se a acreditar que esta divisão seja mais justificada que a primeira,
pelo fato de ela resultar dos três componentes essenciais constitutivos da
linguagem:
a) Função representativa ou
descritiva nos confrontos do objeto;
b) Função expressiva ou existencial
ou emotiva nos confrontos do sujeito;
c) Função comunicativa ou
intersubjetiva nos confrontos da pessoa que se dirige o discurso;
a) Função
descritiva
A corrente neopositiva e analítica
dá valor absoluto à função denotativa e condena como insignificantes e carentes
de sentido as outras funções. Somente pela função denotativa o homem está
habilitado a alcançar e a transmitir a verdade. Existem críticas a essa teoria
dos neopositivistas, das quais são as principais:
I)
O
critério de verificação experimental é um postulado metafísico privado der
qualquer fundamento, é uma proposição metafísica sensorial, que se desqualifica
sozinha porque é invencível;
II)
A
preferência pela linguagem cientifica é de todo injustificada, porque há muitas
outras linguagens que para a existência humana são tão importantes quanto a
científica (por ex.: a linguagem ordinária, ética, artística, poética e a
mística);
III)
A
preferência pela função descritiva ou cognitiva da linguagem é a conseqüência
de uma tradição intelectualista e
racionalista que foi extremamente danosa, porque criou uma imagem deformada e
empobrecida do homem;
Reconhecida
a insustentabilidade do critério de verificação experimental, alguns
epsitemólogos propuseram como critério a falsificabilidade: são científicas
apenas os dotados de falsificabilidade.
Porém, o critério de falsificabilidade não pode dizer outra coisa que
não isso: não é de fato cientifico aquilo que foi demonstrado ser falso.
b) Função
comunicativa
A função
principal da linguagem humana é de fato a comunicação e comunicativa. Em muitos
casos não se pretende descrever somente objetivos, coisas, fenômenos, etc., mas
afetos, sentimentos etc. Barbotin põe em evidência o valor comunicativo,
existencial, prático da linguagem, a qual é instrumento privilegiado da
comunicação e também da presença da sociabilidade.
A função fundamental da linguagem é,
pois, a da comunicação, todavia, deve-se constatar que é uma comunicação que a
linguagem não consente nunca realizar plenamente, pois ela tem aspetos ambíguos
(formação – deformação).
c) Função e valor
existencial
A linguagem é importante não apenas
pela função descritiva e comunicativa, mas também pela função existencial. Ela
serve também para testemunhar nos outros a
si próprio a existência. Não se trata de um testemunho vago,
indeterminado, genérico, mas determinado, preciso e qualificado. A palavra
adquire densidade essencial sobretudo através do nome, ter um nome significa
possuir existência.
d)
Função ontológica
Heidegger chama a atenção dos
estudiosos sobre outra função capital da linguagem, a do confronto com o ser. A
natureza propriamente da linguagem é de dizer enquanto mostrar. A linguagem
original tem uma força que funda o próprio ser das coisas, poder-se-ia dizer
uma força criativa.
Heidegger atribui à linguagem
originária uma densidade ontológica fundamental: a palavra não é somente
habilitação e signo, mas também fonte e sustentáculo do ser das coisas. Porém,
não é a palavra que produz o ser das coisas, mas ela é como uma relação
(“relação fundamental”, “relação de todas as coisas”), uma espécie de lei
suprema. Para Heidegger, a palavra diz o ser.
Da linguagem originária que é
essencialmente dizer tem-se a origem da
linguagem humana, que antes de dizer é essencialmente um escutar e pode
tornar-se dizer somente depois de ser já
um escutar. O dizer originário, ou seja, a palavra dotada daquela densidade
ontológica-fundamental a que se refere é o mito. Para Heidegger e muitos
outros, o mito é uma expressão mais direta, imediata e original e, portanto,
também mais autêntica da realidade.
7. Relação
da linguagem com o pensamento, com as coisas e com os interlocutores
Passa-se
agora a considerar o problema da linguagem de outro ponto de vista: o das suas
relações com o pensamento, com as coisas e com os interlocutores.
Com
relação ao pensamento-linguagem a solução comum é ver a linguagem como um
instrumento subordinado e secundário do pensamento. Os estruturalistas e
hermeneutas tendem a subverter essa relação e a pôr o pensamento ao serviço e à
dependência da linguagem.
Para
o que concerne a linguagem e ser há duas tendências opostas:
a)
Geralmente
se reconhece na linguagem valor semântico, indicativo, assinalado do ser;
b)
O
ser acha sua epifania na linguagem, sobretudo o ser do homem tem a sua
sustentação, o seu modo de linguagem;
Quanto a relação
linguagem-interlocutor existem duas teses opostas:
a) O valor essencial da linguagem
para a intersubjetividade;
b) Atribuir pequeno valor intersubjetivo a
linguagem, porque parte de uma concepção egocêntrica, angélica do homem;
A linguagem tem importância capital
pela função intersubjetiva que desenvolve, a qual provém da função comunicativa
da linguagem e ter caráter mais prático do que descritivo. Além disso, traz
consigo, em cada caso forte dose de elementos pessoais (subjetivos, emotivos).
8. Implicações
onto-antropológicas da linguagem
O
estudo da linguagem revelou muitas coisas sobre o ser do homem, delas pode-se
destacar três:
I.
A
linguagem distingue o homem, de modo nítido, dos animais, colocando em
evidência a sua superioridade intelectual;
II.
A
linguagem revela a natureza completa do ser do homem, revelando claramente como
nenhum outro fenômeno a interação e a interdependência do físico e do
conceptual na existência humana;
III.
A
linguagem desvela nos confrontos com a realidade a tensão do homem ao
suplantar-se continuamente, a auto-transcender-se e a transcender tudo o que
disse e é capaz de dizer.
Referências
bibliográficas:
·
MONDIN,
Battista. O homem quem é ele?
Elementos de antropologia filosófica. 4.ed. São Paulo: Paulinas, 1980. p. 132-
152.