Existe
uma forte relação entre a Filosofia e a Psicologia, podendo-se afirmar que são
as ciências humanas mais próximas[1].
Os primeiros estudos sobre o psiquismo e a alma foram realizados pela Filosofia
Grega, a qual observava atentamente as atividades humanas e a manifestação da
alma[2].
Sendo assim, pretende-se aqui fazer uma breve análise da relação de proximidade
entre a Filosofia e Psicologia, salientando: a grande afinidade que existe
entre o pensamento filosófico e a Psicologia; o aprofundamento da antropologia
filosófica, principalmente do psiquismo, dimensão constitutiva do ser humano;
e, por fim, o autoconhecimento, que propiciará um encontro da verdade e bem que
habita no interior humano.
A
própria etimologia da palavra Psicologia pode ressaltar o desejo que tanto a
Filosofia quanto a Psicologia tem, a saber: conhecer “O que é homem” [3].
O termo ψυχή (psyché) significa pessoa, alma humana, sentimento, caráter[4]
e λόγος (lógos) significa matéria de estudo e conversação, relato, notícia[5].
Sendo assim, a Psicologia busca estudar a pessoa humana, principalmente sua
dimensão interior. Do mesmo modo que o
pensamento filosófico: “No campo filosófico, a interrogação sobre o homem
torna-se o tema dominante na época da sofística antiga (séc. V a. C.) e, a
partir de então, acompanha todo o desenvolvimento histórico da Filosofia
Ocidental...”[6]
Sendo assim, expressa-se uma primeira
relação entre o estudo da psicologia e o pensamento filosófico, pois aquela
está em estreita relação com este, possibilitando-se assim um diálogo e um
aprofundamento de temas caros à Filosofia que a psicologia poderia iluminar
e/ou até mesmo responder e dar soluções.
Já
nesta segunda relação faz mister lembrar do
pensador Immanuel Kant, filósofo moderno do século XVIII, que elaborou
uma crítica à Filosofia e consagrou seu pensamento como a “filosofia da filosofia”[7]
. Kant ressalta na obra Crítica da Razão
Pura que todo interesse de seu pensamento está nas questões:
Que
posso saber?
Que
devo fazer?
Que
posso esperar?[8]
Estas perguntas são, na
obra Lógica, unificadas em uma só
(que está ausente na Crítica da Razão Pura): “o que é o homem?”. Kant salienta que a Filosofia é,
impreterivelmente, uma forma de antropologia[9].
Ao que se percebe, a partir do pensamento Kantiano, a questão sobre o ser
humano se torna central em toda reflexão filosófica[10],
ou seja, o ápice de todo discurso filosófico se dará na antropologia.
Assim sendo, os estudos
da Filosofia moderna e pós-moderna se voltam com insistência para elaborar o
melhor discurso possível sobre o ser humano[11],
buscando levar em consideração suas categorias de estrutura, relação e unidade.
Na categoria de estrutura ou níveis ontológicos constitutivos, o ser humano é
composto de corpo próprio, psiquismo e espírito (dimensão espiritual, chamada
por alguns autores também de mente)[12].
Na categoria de estrutura percebe-se a importância e influência da dimensão
psíquica, porque é graças a ela que poderá acontecer a ligação entre as outras
duas dimensões: “Desde o início, pois, de nossa reflexão sobre o psiquismo ele aparece como situado numa
posição mediadora entre o corporal e
o espiritual.” [13]
Além disso, o psiquismo é responsável por interiorizar as experiências vividas
pela dimensão corporal e exteriorizar o mundo interior do sujeito humano:
“A passagem do estar-no-mundo
para o ser-no-mundo, ou da presença natural para a presença intencional, dá-se aqui no sentido de
uma interiorização do mundo ou da
constituição de um mundo interior.
Pelo ‘corpo próprio’ o homem se exterioriza ou constitui sua expressão ou
figura interior, e o Eu corporal é como que absorvido nessa exteriorização.
Pelo psiquismo o homem plasma sua
exteriorização ou figura interior, de
modo que se possa falar com propriedade do Eu
psíquico ou psicológico.”[14]
Portanto,
o estudo da dimensão psíquica é fundamental para uma lapidação dos estudos
antropológicos filosóficos, pois o psiquismo faz acontecer o encontro da
unidade entre os pólos da dimensão humana e ainda aprofundar as expressões
interiores do homem. No estudo do psiquismo humano poder-se-á entrar mais
profundamente no estudo da dimensão que consegue trazer unidade na constituição
ontológica humana e ainda é responsável por fazer com que o ser humano saia de
um solipsismo espiritual para uma abertura ao mundo real e empírico.
Por
fim, apresenta-se esta terceira relação, fazendo-se mensão ao o pensamento de
Agostinho de Hipona, o qual acredita que o ser humano tem pela Razão
(inteligência-razão) uma abertura para a Verdade e pela Vontade uma abertura
para o Bem, conforme afirma Sciacca sobre o Agostinho: “Todas as operações do
espírito provenientes do espírito mesmo por meio da inteligência-razão, que
alcança a Verdade, e da vontade, que adere ao Bem.”[15]
Sendo assim, a dimensão interior do ser humano busca a verdade e o bem, pois
todos os homens estão abertos a esse encontro.
O
ser humano, deste modo, vai a uma busca constante por essa verdade e esse bem
que possa dar sentido a sua existência e manter-lhe em constante descoberta e
desvendamento do mundo interior e exterior. Quanto maior seu afastamento de si
mesmo menor será sua possibilidade de encontrar essa Verdade e Bem que tanto
busca. O ser humano deve, então, partir em busca dessa verdade no mais íntimo
de si mesmo, pois poderá encontrar nessa relação consigo mesmo o seu sentido:
“Não saias de ti, mas volta para dentro de ti mesmo, a verdade habita no
coração do homem”[16].
Ora,
sendo a psicologia o estudo do ser humano, com atenção para a interioridade
humana, vez-se como terceira relação o autoconhecimento pessoal, visto que é
necessário, conforme afirmado acima, o homem se conhecer para encontrar a
verdade e o bem, consequentemente o sentido da existência humana. A psicologia
poderá propiciar um maior contato com a dimensão interior humana e, assim, a
uma aproximação do “eu” que habita no “coração humano”.
Deste modo, pode-se
concluir que a Filosofia e a Psicologia tem uma estreita relação e necessitam
estar constantemente sendo estudadas para um melhor aproveitamento da
Antropologia. Além disso, ambos os estudos podem propiciar ao homem um maior
autoconhecimento de si e melhorar as relações intersubjetivas. Ressalta-se que
este estudo não pretendeu apontar todos os pontos de relação entre a Filosofia
e Psicologia, mas foram apontados aspectos que se acredita serem alguns dos
principais.
Referências
Bibliográficas:
·
AGOSTINHO, Santo. A verdadeira Religião. Trad. Nair de Assis Oliveira. 2.ed. São
Paulo: Paulus, 1987. [abreviatura: AGOSTINHO, 1987, ...]
·
DEKENS, Olivier. Compreender Kant.Trad. Paula Silva. São Paulo: Loyola, 2008.
[abreviatura: DEKENS, 2008, p. ]
·
DORIN, Lannoy. Enciclopédia de Psicologia Contemporânea: Psicologia geral. São
Paulo: Livraria Editora Iracema Ltda, 1980. v. 1. [abreviatura: DORIN, 1980, p.
]
·
MELENDO, Tomás. Iniciação à Filosofia: Razão, fé e verdade. Trad. Marciano Lang
Fraga. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúcio”
(Ramon LLuLL), 2005. [abreviatura: MELENDO, 2005, p.]
· KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. Valerio Rohder e Udo Baldur
Moosburger. São Paulo: Nova Cutural Ltda, 1999. [abreviatura: KANT, 1999, p.]
·
PEREIRA, Isídio, S.J.. Dicionário grego-português e portguês-grego.
5. ed. Porto: Livaria Apostolado da Imprensa, 1976. [abreviatura: PEREIRA,
1976, p. ]
·
SCIACCA,
M. F. San Agustín. Trad. P. Ulpiano Álvarez Díes, O. S. A. Barcelona:
Luis Miracle, editor, 1995. [abreviatura: SCIACCA, 1995, p. ]
·
VAZ, H. Cláudio de Lima. Antropologia Filosófica. 10. ed. São
Paulo: Loyola, 2010. [abreviatura: VAZ, 2010, p. ]
[1]Cf. VAZ, 2010, p. 171
[2] Pode-se citar alguns exemplos:
Sócrates pensava, baseado no oráculo de Delfos, que para se conhecer o
comportamento das outras pessoas era necessário conhecer-se a si próprio: “conhece-te
a ti mesmo”; já Platão preocupa-se mais com o problema das origens das ideias;
Aristóteles é o primeiro a se aventurar nas investigações mais seguras sobre a
consciência e a conduta do homem (Cf. DORIN, 1980, p. 6 e 7)
[3] Cf. VAZ, 2010, p. 3
[4] Cf. PEREIRA, 1976, p. 638.
[5]
Cf. PEREIRA, 1976, p. 350.
[6] VAZ, 2010, p. 3
[7]
DEKENS, 2008, p. 10
[8]
KANT, 1999, p. 478
[9] Cf. DEKENS, 2008, p. 18. Antropologia significa em sua etimologia o estudo do
ser humano (ἂνθρωπος [ánthropos] significa em grego homem, mulher Cf. PEREIRA,
1976, p. 51). Existe uma diferença entre a antropologia e a psicologia, visto
que a Antropologia tem como objetivo construir um discurso sobre o homem-objeto (epsitemologicamente),
formalmente considerado como sujeito
(ontologicamente) Cf. VAZ, 2010, p. 3, já a psicologia é uma ciência que busca
compreender o ser humano a partir de seus comportamentos e condutas em seu meio
Cf. VAZ, 2010, 172.
[10] Na nota 6 da primeira
justificativa afirma-se com Lima Vaz, que o questionamento sobre o homem é um
tema que na antiguidade se tornou constante, porém não essencial. Na
antiguidade, a questão central está em torno do discurso sobre o absoluto, ou
seja, metafísico. A partir da modernidade o discurso se centra nas questões
antropológicas, conforme ressaltado.
[11]
Cf. MELENDO, 2005, p. 65.
[12] Cf. VAZ, 2010, p. 154. Não se vê
necessidade de citar no texto as divisões das categorias de relação
(objetividade, inter-subjetividade e transcendência) e de unidade (realização e
essência ou pessoa), visto que não
seestá fazendo um estudo aprofundado do tema e do autor, mas sim levando
em consideração a importância de suas observações acerca do pensamento sobre o
homem.
[13]
Ibidem, p. 168.
[14]
VAZ, 2010, p. 169.
[15] SCIACCA,1955, p.427. “Todas las
operaciones del espíritu provienen del espíritu mismo por medio de la
inteligencia-razón, que alcanza la verdad, y de la voluntad, que se adhiere al
bein.”
[16] AGOSTINHO, 1987, VI, 39, 72.
Disponível também: http://pensamentoextemporaneo.wordpress.com/2012/06/12/uma-breve-relacao-entre-filosofia-e-psicologia/
Disponível também: http://pensamentoextemporaneo.wordpress.com/2012/06/12/uma-breve-relacao-entre-filosofia-e-psicologia/
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