Agostinho de Hipona percebe o mal ao
longo de toda sua história de vida, por isso começa a se questionar sobre a sua
causa e origem. Na obra “confissões”,
ele retrata o caminho que realizou para encontrar o que lhe fazia ser livre, ou
seja, o que o levava a realizar o bem.
Como dito, Agostinho sempre percebeu
a presença do mal em sua vida, desde a infância, quando relatou sobre seu
desejo ardente de saborear os prazeres e também como vivia as dores da carne
(sofrimento – que também é um mal): “nada mais fazia senão sugar os peitos,
saborear os prazeres e chorar as dores
da minha carne” [1]. Deve-se
destacar que Agostinho não tinha lembrança de seus primeiros anos de infância,
mas observava as outras crianças (que praticavam os mesmos atos maus) e recebia
relatos de seus familiares[2].
Agostinho, então conclui que as crianças também têm sua natureza corrompida, “a
debilidade dos membros infantis é inocente, mas não a alma das crianças” [3].
No período da adolescência existe,
segundo Agostinho, além das tentações infantis[4], o
apetite sexual e a transgressão. O pecado que mais marcou a adolescência de
Agostinho foi o da luxúria, “os espinhos das paixões me sobejaram a cabeça, sem
haver mão que os arrancasse”[5]. Além
disso, foi na adolescência que Agostinho percebeu o prazer que o homem sentia pelo
mal, ao narrar o episódio do furto das pêras:
“Eu quis roubar; não
instigado pela necessidade, mas somente pela penúria, pelo fastio da justiça e
pelo excesso de maldade [...] não pretendia desfrutar do fruto, mas do roubo em
si e do pecado.”[6]
Agostinho acreditava
que o pecado era dirigir a vontade para as coisas inferiores – ressalta-se que
as coisas inferiores (criaturas) são boas na participação no Sumo-bem (Deus),
porém são boas em grau menor. O pecado é quando a pessoa se inclina para os
bens menores ao invés de se inclinar para o bem em si, ou seja, Deus.
Agostinho, ao narrar o episódio do roubo das pêras, afirma que a cumplicidade
faz com que o ser humano peque ou o induz a pecar,
“ portanto, amei também
no furto o consórcio, daqueles com quem o cometi. Amei, por isso, mais alguma
coisa do que o furto, mas não, não mais nada, porque a cumplicidade nada vale.”[7]
No
momento de estudos em Cartago, Agostinho percebeu seu prazer pela dor e pela tragédia
dos outros, mas os dois pontos que marcaram este momento da vida do bispo de
Hipona foram a leitura do livro “Hortênsio”,
de Cícero, e a adesão ao maniqueísmo. Agostinho foi seduzido pelos maniqueus
porque esta doutrina buscava a origem do mal, tinha uma concepção de Deus e
mostrava como os injustos (assassinos, homens cheios de mulheres... – citados
no Antigo testamentos) seriam salvos. Os maniqueus respondiam a essas questões,
dizendo que a origem do mal era o deus mal (eles acreditavam que havia duas
origens das coisas, uma boa e outra má), que os seres divinos eram materiais e
que o Antigo Testamento fora escrito pelo deus mal.
Finalmente, Agostinho teve o contato
com os neoplatônicos em Milão e com Ambrósio, os quais o fizeram descobrir o
que era realmente o mal, e fizeram-no abandonar a doutrina maniqueísta.
O MAL
Agostinho, depois de toda sua
experiência de vida, encontra a resposta para o problema da origem do mal,
graças aos neoplatônicos, especialmente Plotino que afirmava ser o mal
ausência, falta de bem. Plotino, porém, identificava o mal com a matéria, e se
Agostinho identificasse o mal com a matéria, ele seria obrigado a dizer que o
mal é um bem, pois todas as coisas, enquanto existem, são boas[8].
Agostinho também não poderia
atribuir a origem do mal a Deus, pois Ele é Sumo-bem e criou todas as coisas
boas. O Bispo de Hipona então chega ao homem, e conclui que o mal é causado pelos
seres humanos, pois estes não são o bem pleno, como Deus o é[9]. O
homem, ao se afastar de Deus e voltar-se para as criaturas, que são bens
inferiores, causa o mal, pois se afasta do bem supremo,
“pela propensão imoderada
para os bens inferiores, embora seja bons, se abandonam outros melhores e mais
elevados, ou seja, a Vós, meu Deus, à vossa verdade e a vossa lei.”[10]
Mas qual é a causa do mal no ser
humano? Como ele se volta para os bens inferiores? Agostinho responderá que é
pelo livre-arbítrio da vontade, “o livre-arbítrio da vontade é a causa de
praticarmos o mal”[11]. O
ser humano está sempre buscando um bem, entretanto, sua vontade acaba
procurando um bem que não é o bem em si, mas os bens que participam do bem
supremo (Deus). Quando o ser humano se volta para o bem verdadeiro, ele será
livre[12] e
estará agindo bem.
Portanto, o mal é a ausência de bem,
ou seja, o mal é o não-ser ou nada. Mas,
Agostinho irá questionar-se a cerca dos três aspectos do mal, a saber:
ontológico- metafísico, moral e físico.
O mal no nível ontológico-metafísico.
Agostinho afirma que “o mal não é
uma substância”[13],
portanto o mal enquanto ser não existe, não é. O mal não pode ser uma
substância, pois todas as substâncias são boas, porque foram criadas por Deus e
Deus não criou e não pode criar nada que seja mal. O mal é quando há a privação
do bem, ou seja, é o afastamento de Deus.
O ser humano por causa de sua
vontade, acabou deixando-se seduzir pelos bens inferiores, decidindo assim a ir para o
nada, a inclinar-se para o que não é. Ressalta-se que para Agostinho, todos os
seres humanos são um bem em si, até mesmo inclinados para a corrupção, “Se não
houvesse nada de bom nelas (coisas corrompidas), não haveria nada aí que
pudesse corromper-se”[14].
Portanto, o mal
ontológico-metafísico é “um tirar fora, uma privação, uma tendência ao nada, antes
que um locus inanis, uma bolsa de
nada num mundo bom”[15]. Para Agostinho, mal é o não-ser, é nada, o mal
é a privação do bem, é o não-bem. O mal não existe no cosmo, enquanto afirmação
de ser.
O mal no nível moral
O mal moral é
“uma perversão da vontade
desviada da substância suprema – de Vós, o Deus – e tendendo para as coisas
baixas: a vontade que derrama as suas entranhas e se levanta com
intumescência.”[16]
O mal moral transforma as coisas
relativas em absolutas e transforma o absoluto em relativo. Agostinho
observa esse mal, desde o Gênesis, quando Adão quis ser poderoso comendo o
fruto proibido, ele tentou se fazer absoluto, quis tornar-se um ser independente
de Deus. Também Agostinho irá perceber o mal moral em sua vida, principalmente
quando ele experimenta a morte de seu amigo:
“Era desgraçado, e
desgraçada é toda alma presa pelo amor às coisas mortais. Despedaça-se quando
as perde, então sente a miséria que a torna miserável, ainda antes de as
perder.”[17]
O mal moral é
fazer das criaturas, que são boas, a perfeição; tratá-las como a única coisa
que o ser humano precisa. O ser humano é um ser dependente de Deus e não pode
querer fugir desta condição: “criastes-nos para Vós e inquieto está o nosso
coração enquanto não repousa em Vós”[18].
Nenhum ser humano vive por si só, todos precisam de algo, porém, por ter o
livre-arbítrio, ele pode decidir para onde deseja inclinar sua vontade. Quando
ele se inclinar para as criaturas, acaba caindo no mal moral , pois poderá até
então se satisfazer temporariamente nos bens passageiros, porém estes irão
perecer e então o ser humano cairá no sofrimento.
Conclui-se que o mal moral é a
inclinação do ser humano para as criaturas, acontece quando o ser humano quer transformar
os bens inferiores em bem superior:
“eu fixava a atenção
naquelas que são contidas pelo espaço, sem aí encontrar um sítio para descansar.
Nem elas me hospedavam de modo a poder dizer: ‘isto me basta; estou bem!’ Nem
deixavam partir para onde me achasse satisfeito.”[19]
O mal moral se
efetiva quando o ser humano anseia por algo que o dê satisfação e felicidade,
porém procura estas coisas no lugar errado. É somente Cristo, que concede ao
ser humano a sua Graça, que poderá livrá-lo de sua prisão das coisas materiais
e fazer com que ele busque a verdadeira satisfação de seus anseios.
O mal no nível físico
O
mal físico é conseqüência do mal moral, ele é observado nas dores e na morte do
ser humano. Além disso, pode-se constatá-los nos fenômenos naturais como
terremotos e desastres. Agostinho não podia conceber essas coisas como coisas
da vontade divina, por isso ele mostra que são conseqüências do pecado de Adão[20].
Para Agostinho,
“‘males naturais’ é uma
questão de interesse muito subordinado. Ele não os atribuiria a Deus, mas ao
homem. Para ele, não existe uma coisa como ‘o mal natural’.
Ele diz que as
coisas são boas, porém o ser humano fez com que elas tomassem um aspecto mal.
Além disso, a morte que para ele é o pior mal é conseqüência do pecado original,
é “ uma sinal do efeito do mal sobre suas naturezas intrinsecamente boas.”[21]
Assim sendo, o mal físico é
conseqüência do pecado original, ou seja, pelo pecado o homem provocou todo o
mal que há no mundo, desde o espiritual até o natural.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo que foi dito, pode-se
conclui dizendo que o mal é umas das questões que mais tem feito o ser humano
se questionar. Ele sempre quis saber seu motivo, principalmente a origem do mal
físico, que atinge até mesmo as pessoas que são consideradas boas. Santo
Agostinho de Hipona se colocou as mesmas questões e se deixou levar por
doutrinas que não apontavam para a verdadeira causa e a origem do mal (ex.:
Maniqueus).
Porém, Agostinho sendo o homem que
vivia na busca da verdade[22],
não se deu por satisfeito e colocou-se no itinerário da busca pela origem do
mal, voltando-se para dentro de si mesmo. Até conseguir encontrar a verdade. Graças
à ajuda dos neoplatônicos, ele pode descobrir que “em absoluto o mal não
existe, nem para Vós, nem para as vossas criaturas”[23].
O mal, na verdade, é a privação do bem.
O ser humano, ao se inclinar para as criaturas, que são bens inferiores,
acaba se apegando e tratando-as como absolutas, inclusive a si mesmo. Por isso,
ele causou sua própria morte ao querer tornar-se auto-suficiente e ao apegar-se
aos bens inferiores.
O mal é algo que não existe, mas o
ser humano tem se voltado para este algo que não existe e isso faz com que ele
se angustie e se questione: “Por que escolhemos o mal desde o início?”. Pode-se
responder, com Agostinho: porque o ser humano veio do nada. Porém, os anjos que
não decaíram vieram do nada também, mesmo assim não se entregaram à vontade
errada e não se acharam auto suficientes. Então, a questão continua: “Por que o
ser humano escolheu o mal desde o início?”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
- AGOSTINHO, Santo. Confissões e De Magistro. São Paulo: Abril Cultural. 2 ed. 1980. coleção Pensadores.
- EVANS, G. R. Agostinho sobre o mal. São Paulo: Paulus. 1995.
[1] Conf. I,
7, 11.
[2] Cf. Conf. I, 6, 8.
[3] Conf. I,
7, 11.
[4] Na
infância, Agostinho percebe as três tentações principais: a concupiscência, a
ambição e a curiosidade. (Cf. Conf. I, 10)
[5] Conf.
II, 3, 6.
[6] Conf.
II, 4, 9.
[7] Conf.
II, 8, 16.
[8] Cf.
Conf. VII, 12.
[9] Se o
homem o fosse iria se coincidir com Deus, pois só Deus é o bem pleno.
[10] Conf.
II, 5, 10.
[11] Conf.
II, 3, 5.
[12] A
liberdade acontece quando há uma adequação da vontade humana à vontade divina.
[13] Conf. IV, 15, 24
[14]
EVANS, 1995, p. 61.
[15] EVANS, 1995, p. 61.
[16] Conf.
VII, 16, 22.
[17] Conf.
IV, 6, 11.
[18] Conf.
I, 1, 1.
[19] Conf.
VII, 7, 11.
[20] EVANS, 1995, p. 148.
[21] EVANS, 1995, p. 144.
[22] Cf. Conf. III, 4, 8.
[23] Conf. VII, 13, 19.
Disponível também: http://pensamentoextemporaneo.wordpress.com/2012/06/12/mal-agostinho/
Disponível também: http://pensamentoextemporaneo.wordpress.com/2012/06/12/mal-agostinho/
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