segunda-feira, 14 de maio de 2012

O problema da Linguagem (homo Loquens)



O homem é freqüentemente definido como homo loquens, pois a propriedade da linguagem distingue-o nitidamente dos seres e  faz dele um ser totalmente singular. A linguagem se tornou o assunto principal das atuais investigações, pois o pensamento atual assumiu uma forte direção lingüística. A reviravolta nas investigações filosóficas foi operada recentemente por alguns filósofos (a partir de Moore, Wittgenstein, Russell r s escola de Viena) que pensaram que os problemas filosóficos são problemas lingüísticos. Graças a esta orientação lingüística leva-se a uma revelação do aspecto lingüístico do ser humano e um aprofundamento do homo loquens.
1.      História da filosofia da linguagem
           Os estudos lingüísticos tiveram seu início já nos tempos dos pré-socráticos os quais formularam as duas principais questões:
a)      A questão da origem da linguagem;
b)      A questão da natureza da linguagem;
            Alguns dos pré-socráticos acreditavam que a linguagem derivava diretamente da natureza ou mesmo da divindade e a concebiam como espelho direto e imediato das coisas. Os sofistas consideravam-na convencional, tanto sua origem como sua função.
            Aristóteles concebe a linguagem como instrumento do pensamento e também que ela tinha uma função de representar as coisas, mas dependendo da decisão do homem. A linguagem, era para ele, natural em sua função, mas convencional na sua origem.
            Plotino, por sua vez, acreditava que a linguagem se subtrai completamente a qualquer designação humana. É absolutamente inefável.
            Já Santo Agostinho estuda a relação da linguagem com as coisas e a subordina antes de tudo as coisas, mas definitivamente ao Verbo divino.
Os escolásticos estudavam sobretudo a problemática dos signos, distinguindo-os entre naturais e artificiais, também se ocupa, com a linguagem literal, analógica e simbólica.
O período romântico marca o renascimento dos estudos filológico e a filosofia da linguagem volta-se a questão da origem da linguagem e ao problema da relação entre linguagem e cultura.
Na contemporaneidade a linguagem tem sua ascensão e é tomada de muitos ângulos: semântico, gnosiológico, ontológico, social e psicanalítico.
2.      Importância da linguagem
            Não há nenhum aspecto da realidade e nenhum problema filosófico que não se ache possível resolver abordando-o do ponto de vista lingüístico. Huxley acredita que a linguagem faz o homem ser o que ele é. A linguagem, para ele, dá capacidade ao homem de registrar suas experiências para posteriores gerações e ainda o permite apreender, em sentido obscuro, o mecanismo do universo.
            Cassirer acredita que a linguagem é um dos meios fundamentais do espírito, graças ao qual passamos do mundo da sensação para o mundo da visão e da representação. Ela compreende já no início o trabalho intelectual, que será exprimido na formação dos conceitos e como unidade lógica da forma.
            Gusdorf diz que a linguagem é a primeira grande invenção do homem, que contém em estado embrionário todas as outras; a linguagem é a mais original das técnicas.
            Polanyi afirma que a superioridade intelectiva do homem deve-se que exclusivamente ao uso da linguagem. Heidegger, por sua vez, chama a atenção para a importância metafísica da linguagem. Ela constitui a primeira e mais importante epifania de Ser. Para Heidegger, a linguagem faz do homem o ser vivente que é enquanto homem.
3.      Definições e divisão da linguagem
            Como primeira tentativa de definição pode-se dizer que é um sistema de signos que torna possível a comunicação entre os homens, conforme Lalande propõe como definição geral da mesma. Os signos são entendidos como algo que existe por outra coisa diferente, que indica algo diverso em si mesmo (ex.: fumaça- fogo). É da essência do signo o ter caráter intencional: atrai a atenção sobre a coisa que é signo. Temos três espécies de signos existentes:
a)      Naturais e artificiais;
b)      Lingüísticos e não-lingüísticos;
c)      Icônicos e convencionais;
           A linguagem é um sistema de signos artificiais e convencionais destinados à comunicação, ela quer significar intenções idéias, sentimentos, coisas etc. Ela é um instrumento ideal da intencionalidade essencial do homem, é uma abertura que possibilita a comunicação e esta se efetua principalmente mediante a linguagem.
           É de suma importância que façamos três distinções nas discussões sobre a linguagem:
Linguagem: usa-se em oposição a língua, para distinguir a função de se exprimir, em geral com as palavras, dos vários sistemas lingüísticos fixos em uma sociedade determinada;
Língua: é um sistema supra-individual de signos, graças aos quais o homem pode comunicar entre si. É diferente de fala, a qual é a forma concreta e individual assumida do sistema, segundo o uso de determinada pessoa, segundo os significados pessoais, subjetivos e emotivos por ela desejados.
Significado e significante:
·         Significante quer dizer uma realidade como é denotada e estruturada pela linguagem;
·         Significado: indica o modo sempre parcial e histórico em que a língua falada atualiza o significante; o significado representa a atualização desse significante em um determinado discurso e em uma cultura determinada;
4.      Origem da Linguagem
            Existem duas concepções sobre a origem da linguagem:
a)      Linguagem é recebida (Deus ou Natureza);
b)      Foi inventada pela homem (imitando a natureza ou artificialmente);
            Ambas foram acolhidas por pensadores tanto na antiguidade quanto nos tempos presentes. A primeira, atualmente, é pouco acolhida, porém antigamente foi muito acolhida; segundo Humboldt, a linguagem tenha sido colocada no homem, pois é mediante ela que o homem é homem.
            Porém, contemporaneamente, a tese mais comum é que a linguagem é fruto da evolução, mas há modos diferentes de interpretar, a saber:
a)      Onomatopéia: acreditavam que a linguagem nasce pela imitação que o homem faz dos sons da natureza;
b)      Convenção: o homo sapiens imita certos sons para cumprir determinadas operações;
Obs.: essas duas teses podem integrar-se mutuamente;
5.      Condições transcendentais da linguagem
            A linguagem pressupõe 3 condições transcendentais, 3 constantes ou componentes absolutos:
·         Sujeito que fala;
·         Objeto de que se fala;
·         Interlocutor a que se fala e com quem se quer comunicar;
            Se falta um desses componentes a linguagem já não pode ter lugar, para Macquarrie a linguagem é um complexo de relações fecundas, sobre esses três termos citados.
6.      Função e valor da Linguagem
            Até alguns anos atrás se costumava apresentar uma divisão dicotômica das funções da linguagem:
·         Função descritiva, ou cognitiva, ou denotativa, ou representativa, ou simbólica;
·         Função emotiva, performativa, existencial ou pessoal;
            Ultimamente, porém, tornaram-se mais freqüentes os autores que acreditam na linguagem com uma divisão tricotômica. Chega-se a acreditar que esta divisão seja mais justificada que a primeira, pelo fato de ela resultar dos três componentes essenciais constitutivos da linguagem:
a)      Função representativa ou descritiva nos confrontos do objeto;
b)      Função expressiva ou existencial ou emotiva nos confrontos do sujeito;
c)      Função comunicativa ou intersubjetiva nos confrontos da pessoa que se dirige o discurso;
a) Função descritiva
            A corrente neopositiva e analítica dá valor absoluto à função denotativa e condena como insignificantes e carentes de sentido as outras funções. Somente pela função denotativa o homem está habilitado a alcançar e a transmitir a verdade. Existem críticas a essa teoria dos neopositivistas, das quais são as principais:
I)                   O critério de verificação experimental é um postulado metafísico privado der qualquer fundamento, é uma proposição metafísica sensorial, que se desqualifica sozinha porque é invencível;
II)                 A preferência pela linguagem cientifica é de todo injustificada, porque há muitas outras linguagens que para a existência humana são tão importantes quanto a científica (por ex.: a linguagem ordinária, ética, artística, poética e a mística);
III)              A preferência pela função descritiva ou cognitiva da linguagem é a conseqüência de  uma tradição intelectualista e racionalista que foi extremamente danosa, porque criou uma imagem deformada e empobrecida do homem;
Reconhecida a insustentabilidade do critério de verificação experimental, alguns epsitemólogos propuseram como critério a falsificabilidade: são científicas apenas os dotados de falsificabilidade.  Porém, o critério de falsificabilidade não pode dizer outra coisa que não isso: não é de fato cientifico aquilo que foi demonstrado ser falso.

b) Função comunicativa
             A função principal da linguagem humana é de fato a comunicação e comunicativa. Em muitos casos não se pretende descrever somente objetivos, coisas, fenômenos, etc., mas afetos, sentimentos etc. Barbotin põe em evidência o valor comunicativo, existencial, prático da linguagem, a qual é instrumento privilegiado da comunicação e também da presença da sociabilidade.
            A função fundamental da linguagem é, pois, a da comunicação, todavia, deve-se constatar que é uma comunicação que a linguagem não consente nunca realizar plenamente, pois ela tem aspetos ambíguos (formação – deformação).
c) Função e valor existencial
            A linguagem é importante não apenas pela função descritiva e comunicativa, mas também pela função existencial. Ela serve também para testemunhar nos outros a  si próprio a existência. Não se trata de um testemunho vago, indeterminado, genérico, mas determinado, preciso e qualificado. A palavra adquire densidade essencial sobretudo através do nome, ter um nome significa possuir existência.
d)      Função ontológica
            Heidegger chama a atenção dos estudiosos sobre outra função capital da linguagem, a do confronto com o ser. A natureza propriamente da linguagem é de dizer enquanto mostrar. A linguagem original tem uma força que funda o próprio ser das coisas, poder-se-ia dizer uma força criativa.
            Heidegger atribui à linguagem originária uma densidade ontológica fundamental: a palavra não é somente habilitação e signo, mas também fonte e sustentáculo do ser das coisas. Porém, não é a palavra que produz o ser das coisas, mas ela é como uma relação (“relação fundamental”, “relação de todas as coisas”), uma espécie de lei suprema. Para Heidegger, a palavra diz o ser.
            Da linguagem originária que é essencialmente  dizer tem-se a origem da linguagem humana, que antes de dizer é essencialmente um escutar e pode tornar-se  dizer somente depois de ser já um escutar. O dizer originário, ou seja, a palavra dotada daquela densidade ontológica-fundamental a que se refere é o mito. Para Heidegger e muitos outros, o mito é uma expressão mais direta, imediata e original e, portanto, também mais autêntica da realidade.
7.      Relação da linguagem com o pensamento, com as coisas e com os interlocutores
           Passa-se agora a considerar o problema da linguagem de outro ponto de vista: o das suas relações com o pensamento, com as coisas e com os interlocutores.
           Com relação ao pensamento-linguagem a solução comum é ver a linguagem como um instrumento subordinado e secundário do pensamento. Os estruturalistas e hermeneutas tendem a subverter essa relação e a pôr o pensamento ao serviço e à dependência da linguagem.
           Para o que concerne a linguagem e ser há duas tendências opostas:
a)      Geralmente se reconhece na linguagem valor semântico, indicativo, assinalado do ser;
b)      O ser acha sua epifania na linguagem, sobretudo o ser do homem tem a sua sustentação, o seu modo de linguagem;
            Quanto a relação linguagem-interlocutor existem duas teses opostas:
a)      O valor essencial da linguagem para a intersubjetividade;
b)       Atribuir pequeno valor intersubjetivo a linguagem, porque parte de uma concepção egocêntrica, angélica do homem;
            A linguagem tem importância capital pela função intersubjetiva que desenvolve, a qual provém da função comunicativa da linguagem e ter caráter mais prático do que descritivo. Além disso, traz consigo, em cada caso forte dose de elementos pessoais (subjetivos, emotivos).


8.      Implicações onto-antropológicas da linguagem
O estudo da linguagem revelou muitas coisas sobre o ser do homem, delas pode-se destacar três:
I.                    A linguagem distingue o homem, de modo nítido, dos animais, colocando em evidência a sua superioridade intelectual;
II.                 A linguagem revela a natureza completa do ser do homem, revelando claramente como nenhum outro fenômeno a interação e a interdependência do físico e do conceptual na existência humana;
III.               A linguagem desvela nos confrontos com a realidade a tensão do homem ao suplantar-se continuamente, a auto-transcender-se e a transcender tudo o que disse e é capaz de dizer.



Referências bibliográficas:
·         MONDIN, Battista. O homem quem é ele? Elementos de antropologia filosófica. 4.ed. São Paulo: Paulinas, 1980. p. 132- 152.

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